January 23, 2017

Encarar a DEFICIÊNCIA

Sociólogo em Coimbra, Fernando Fontes, é autor do mais recente retrato sobre a vida das pessoas com deficiência em Portugal, ensaio publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O seu interesse por esta temática surgiu na escola primária, quando conviveu com um colega com paralisia cerebral. Era um miúdo absolutamente integrado, sem limitações cognitivas. As suas dificuldades eram essencialmente motoras. A certa altura o seu colega foi para uma instituição para crianças e jovens deficientes e, alguns anos mais tarde, por volta dos 18 anos, suicidou-se. Um acontecimento que o marcou porque desde logo se apercebeu da exclusão em que vivem muitas pessoas com deficiência, e do devastador que isso pode ser para as famílias.



A perceção do investigador Fernando Fontes:

O sofrimento das pessoas com deficiência vem mais de fora do que de dentro?

Creio que vem muito de fora, mas as coisas estão interligadas. As pessoas com deficiência continuam a ser alvo de grande discriminação e opressão, quer pelas barreiras físicas, quer pelas barreiras psicológicas relacionadas com o estigma da deficiência e com as conceções dominantes sobre o que é um corpo normal. Esses preconceitos acabam por ser internalizados pelas pessoas com deficiência, o que tem um grande impacto na sua auto-estima (…) Isto para não falar das dificuldades na escola ou no trabalho, onde não existem os apoios especializados necessários à sua inclusão ou os espaços físicos continuam inacessíveis.

Quando anda na rua em que repara?

As barreiras arquitetónicas continuam a ser o lado mais visível desta opressão. Basta alguém andar na rua com um carrinho de bebé para ter noção disso. Os passeios continuam pejados de postes de eletricidade, caixotes de lixo e carros, e os edifícios continuam a ter escadas de acesso (…) As barreiras não limitam apenas a mobilidade, são um fator de opressão daqueles que as enfrentam no seu dia-a-dia.

O que leva ao isolamento?

Em alguns casos, sim (…) 60% das pessoas com dificuldades motoras no país vivem em edifícios com três ou mais pisos, em edifícios sem elevador e sem entrada acessível para cadeira de rodas, percebemos a gravidade da situação (…) Há pessoas com deficiência a viverem enclausuradas nas suas próprias casas.

A ideia de “vida independente” tem estado a ganhar força. O que está em causa?

No final do ano passado começou o primeiro projeto-piloto financiado pela Câmara Municipal de Lisboa, com cinco utentes, e a expectativa é que, até ao final do ano, saia legislação (…) No fundo, a ideia é permitir que as pessoas com deficiência tenham a mesma liberdade de escolha, o mesmo controlo e a mesma liberdade nas suas casas, no trabalho e na sua comunidade que as pessoas sem deficiência.

Um dado que cita no seu livro prende-se com a taxa de emprego: é metade da população em geral. E 79% dos que estão inativos são reformados, embora apenas 6% fossem incapazes para o trabalho. O que explica estes números?

O preconceito. Tem havido iniciativas de promoção do emprego, incentivos aos empregadores para adaptação do posto de trabalho e benefícios fiscais, mas o facto é que o preconceito continua a existir (…) Muitas pessoas com deficiência são imediatamente excluídas nas entrevistas.


Que mensagem gostava de passar com este livro?


Temos de deixar de olhar para a deficiência como uma tragédia pessoal (…) As famílias têm receio quanto ao futuro e a quem cuidará dos seus filhos quando não estiverem cá, mas um aprofundamento da redistribuição social, mais políticas públicas consequentes e menos preconceito permitiriam dar às pessoas uma maior qualidade de vida.





Fonte: Jornal i
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