July 21, 2013

Passeios de Ninguém



















Um dia foi-me pedido para fazer um artigo sobre ACESSIBILIDADES!! ainda para mais para ser publicado. A responsabilidade cresceu, cresceu... porque é um assunto que nos envolve ou devia envolver a todos. Literalmente a todos. Este foi o mote... de repente lembrei-me dos Passeios em Calçada.


De facto os passeios, aqueles que fazem parte da via pública e que existem em todas as nossas cidades, vilas e aldeias, não são acessíveis para ninguém. Carinhosamente, vou batizá-los por ‘os nossos passeios’. Toda este espaço junto, todos esses metros quadrados somados, constituem uma área com uma dimensão a perder de vista e que, na sua essência, não serve para quase-nada!!? É verdade, quase ninguém os usa porque não foram feitos para serem usados pelas pessoas. Um destes dias estava a ver televisão e a minha atenção despertou para um anuncio que dizia, entre outras coisas, que: ‘podem tirar-me o fado, podem tirar-me a visão, podem tirar-me a calçada, podem até tirar-me a fala, mas não me tirem o azeite…’ Só depois percebi, que não era verdade, de facto ninguém queria remover a velha calçada, muito pelo contrário, tratava-se apenas de uma técnica de comunicação que apelava à nostalgia pela positiva.

A tradição da calçada ‘dos nossos passeios’ é, segundo alguns, mais uma das montras vivas representativas da nossa cultura centenária e que devemos manter, no mínimo, por mais mil anos! Eu penso exatamente o contrário. Eu digo com toda a convicção, que ‘os nossos passeios’ são um contribuinte líquido para a exclusão. Excluem quase tudo e quase todos. Diariamente, nos locais mais diversos, todos nós vemos pessoas a caminhar à beira ‘dos nossos passeios’ ou, dito de outra forma, pela beira da estrada. É verdade, as pessoas escolhem, naturalmente, os caminhos que consideram mais adaptados à sua locomoção. Infelizmente, ‘os nossos passeios’ não têm essa característica fundamental.

O problema complica-se ainda mais quando pensamos nos cidadãos com mobilidade reduzida, nos pais com os carrinhos de bebés, nas pessoas mais idosas ou mesmo nas mulheres portuguesas que arrisquem o uso de sapatos de salto alto. Por isso os vemos todos os dias a caminhar na estrada, na direção dos automobilistas, colocando a sua vida, e a dos outros, em risco. Os deficientes motores, que necessitam de se deslocar em cadeiras de rodas, acabam por ser obrigados a converter-se em condutores de ligeiros sem matrícula, muito provavelmente, sem carta para o efeito. Não me lembro de encontrar no novo código da estrada, normas que contemplem esta evidência. Afinal existem mais duas grandes categorias de veículos para além dos pesados e dos ligeiros, a saber, as cadeiras de rodas com motor e as cadeiras de rodas sem motor!


Mesmo assim, quando ‘os nossos passeios’ têm a dimensão adequada, coisa rara, acabamos por encontrar de quase tudo a bloqueá-los: árvores, paragens de autocarro, ecopontos, obras, cabines telefónicas, postes de eletricidade, sinais de trânsito, etc. Parece que no enquadramento das obrigações comunitárias, tudo isto é ilegal mas também parece que ninguém está interessado em cumprir ou fazer cumprir as leis. 


Propositadamente, não me referi aos carros estacionados em cima dos passeios. Esse é um problema que depende apenas do nosso civismo ou da falta dele e, somos nós enquanto cidadãos, que o temos de resolver. Contudo, acredito seriamente, que as Policias e as Entidades Fiscalizadoras poderiam ajudar, se é que não há nenhum exagero neste tipo de pedido! Ainda assim, e no meio de tantos obstáculos, acaba por ser a velha e desadequada ‘calçada portuguesa ‘o maior dos inimigos. Um contratempo desnecessário e dispendioso.

 

Surgiu no século XIX e é ainda amplamente usada no calçamento em quase todas as cidades. Eu diria que é cada vez mais atual, muito embora já estejamos no século XXI. É um piso geralmente desnivelado, que se baseia em pedras de formato irregular, geralmente de calcário e por vezes pontiagudas, intervaladas com buracos de maior ou menor dimensão.

 

Desnivelado porque na grande maioria dos casos nem se dão ao trabalho de nivelar o terreno e, com muitos buracos, porque também não se dão ao trabalho de os compactar devidamente. É, certamente, um piso excelente para algumas modalidades radicais mas, fica muito aquém de oferecer a segurança e o conforto necessários a quem se atreva a pisá-los sem usar equipamento adequado. As cadeiras de rodas só poderiam circular se os pneus fossem idênticos aos dos tratores uma vez que não existem, ou não conheço, outro tipo de equipamento que seja viável para o efeito. Mas, alguns, são bonitos. Formam padrões decorativos pelo contraste entre as pedras de distintas cores, normalmente, o branco, o preto, o marrom e o vermelho. Bonitos mas inúteis. Não sou nem tenho que ser contra este tipo de Decoração, apenas considero que devem coexistir alternativas ou então, fazê-lo apenas nas grandes praças e nunca nos passeios. Aí sim, podem fazer-se grandes ‘decorações’ para nos elevar o ego.


Quem tem a RESPONSABILIDADE nesta área devia olhar para os outros países da Europa e perceber porque é que as pessoas usam, de facto, os passeios!?



Dois bons exemplos.
Nós por cá não temos nada disto...


É fácil, até pela televisão se percebe que os passeios na maioria dos países da comunidade não são como ‘os nossos passeios’, são Passeios a sério. As pessoas usam-nos das mais variadas formas: caminhando, de bicicleta, de patins, etc e os que têm mobilidade reduzida não encontram obstáculos. Criamos tantas comissões neste país que, me atrevo a sugerir, que criem a Comissão de Análise para os Passeios do Sec.XXI. O trabalho a desenvolver é simples: basta viajar, olhar com atenção e tirar notas.


Temos que repensar o 'piso' que disponibilizamos nas nossas Vilas e Cidades, nomeadamente, os Passeios, para evitar os erros cometidos e que continuamos a cometer. Vila Nova de Gaia já o começou a fazer. Qualquer um pode deslocar-se pelo passeio marítimo sem qualquer tipo restrições. Na cidade, a maior parte dos passeios são acessíveis e a sensação é boa.


Não uso o ‘Nunca’ nem o ‘Para Sempre’ mas tenho quase a certeza que, tal como não consigo deslocar-me na minha cadeira de rodas em sítios como o Parque das Nações, com um piso todo em pedra, ou na nova Marina de Lagos que seguiu o mesmo critério, também já não será no meu tempo de vida que vou usar a maioria de ‘os nossos passeios’.




Lamento e sinto falta.







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