"Quase não se pode passear em Lisboa"
Textos
Hugo Franco, Fotos Alberto Frias
Fernando
Cardoso foi vítima de um acidente de viação que o deixou paraplégico aos 21
anos. Mudou de curso porque em 1983 o Instituto Superior Técnico não tinha
acessibilidades para deficientes. "Para ir ao WC tinha de ir a casa, em
Caxias, e voltar." Depois de três anos em Engenharia Civil, recomeçou tudo de novo e, 5 anos depois, formou-se em Engenharia de Informática na Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, no Monte da Caparica.
Nas
últimas eleições autárquicas não pôde exercer o direito de voto porque as três
portas bloqueavam a entrada à cadeira de rodas. Aos 51 anos, sentiu que podia
fazer mais e criou um blogue, o Minuto Acessível, que vai levar à Justiça os
casos mais gritantes que não cumpram o Decreto-Lei n.º 163/2006, que determina
o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem
público, via pública e edifícios habitacionais.
- Quando criou o Blogue 'Minuto Acessível', em julho, o que tinha em mente?
-
Eu e muitos outros sofremos na pele o problema das acessibilidades. Senti que
era esta a hora de fazer serviço público uma vez que trabalho no setor privado
há mais de 22 anos. Devo ‘emprestar’ agora a minha experiência. Existem muitas
associações que abordam estas temáticas e ainda bem. O enfoque é quase sempre
dirigido à sensibilização do problema. Mas o Minuto Acessível tem outros
objetivos, até porque a sensibilização é algo que se faz há muito tempo e não
funciona. Pretendo dissecar, sectorialmente, o decreto-lei 163/2006 e procurar casos de grande impacto que estejam e se mantenham em incumprimento. Em
2017 vou começar a interpor ações judiciais contra quem continuar a não respeitar a lei.
Já é o segundo decreto-lei (o primeiro foi o de 1997) que não é cumprido.
- Vai
expor no blogue os casos mais gritantes?
-
Sim. Vou tentar encontrar exemplos nas áreas do urbanismo, restauração,
hotelaria, serviços públicos, etc. e enviar cartas às entidades que sejam alvo
do nosso alerta. Será um aviso — e não uma chantagem sobre ninguém — de que o
prazo para respeitar a lei termina em fevereiro de 2017. Esta temática é de todos.
Qualquer um pode ficar com mobilidade reduzida de um dia para o outro. O
envelhecimento da população é também uma realidade e quando mais cedo for tido em conta,
melhor.
- Acha que terá feedback?
- Consegue
dar exemplos onde a lei não é cumprida?
-
Sim, só para citar dois que passam quase despercebidos…recentemente foi
inaugurado em Lisboa o passeio ribeirinho da Ribeira das Naus. Com uma cadeirade rodas não é possível fazer esse percurso, pois o passeio é todo em pedra. No
entanto, foi considerado com um dos melhores exemplos da arquitetura portuguesa
no âmbito da revitalização do espaço público. Nem sequer foi feita uma faixa alternativa
ao lado, para cadeiras de rodas, bicicletas, carrinhos de bebé, etc… já para
não falar em muitos casos de pessoas com mobilidade condicionada, nomeadamente
os mais idosos. Outro caso que me causa indignação é o do Parque das Nações.
Embora seja uma zona plana, caso tenha a necessidade de se deslocar numa
cadeira de rodas, não consegue andar em mais de 90% do Parque. Tudo devido ao
piso empedrado. Embora a calçada portuguesa seja tradicional, não faz sentido
colocar pedra em todos os espaços públicos. Um exemplo gritante são os passeios em calçada. Quase não se pode passear em Lisboa
- A
lei não é cumprida por negligência, questões económicas ou por má-fé?
-
Não é por uma questão de custos mas de incompetência e falta de visão dos
responsáveis pelo planeamento Urbano.
- Como é que a falta de acessibilidades o condiciona no dia-a-dia?
- Há exemplos positivos de boas acessibilidades?
-
O passeio marítimo de Gaia é um bom exemplo, ou o Office Center Lagoas Parque,
em Oeiras. Em termos do passeio público, algumas áreas urbanas começam a ter passeios sem ser em calçada mas, no essencial, a tradição mantem-se. Pedra, pedra e mais pedra...
- Dia 29 de setembro foi impedido de votar por causa da falta de acessibilidades numa escola da Parede. Foi a primeira vez que isto lhe aconteceu?
- Fez
queixa à Comissão Nacional de eleições?
-
Sim, e espero vir a ter feedback senão terei de pensar noutro tipo de
medidas.