October 16, 2013

O Semanário EXPRESSO ouviu o Minuto Acessível


"Quase não se pode passear em Lisboa"   

Textos Hugo Franco, Fotos Alberto Frias   




Fernando Cardoso foi vítima de um acidente de viação que o deixou paraplégico aos 21 anos. Mudou de curso porque em 1983 o Instituto Superior Técnico não tinha acessibilidades para deficientes. "Para ir ao WC tinha de ir a casa, em Caxias, e voltar." Depois de três anos em Engenharia Civil, recomeçou tudo de novo e, 5 anos depois, formou-se em Engenharia de Informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, no Monte da Caparica. 
Nas últimas eleições autárquicas não pôde exercer o direito de voto porque as três portas bloqueavam a entrada à cadeira de rodas. Aos 51 anos, sentiu que podia fazer mais e criou um blogue, o Minuto Acessível, que vai levar à Justiça os casos mais gritantes que não cumpram o Decreto-Lei n.º 163/2006, que determina o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais.
  • Quando criou o Blogue 'Minuto Acessível', em julho, o que tinha em mente? 
- Eu e muitos outros sofremos na pele o problema das acessibilidades. Senti que era esta a hora de fazer serviço público uma vez que trabalho no setor privado há mais de 22 anos. Devo ‘emprestar’ agora a minha experiência. Existem muitas associações que abordam estas temáticas e ainda bem. O enfoque é quase sempre dirigido à sensibilização do problema. Mas o Minuto Acessível tem outros objetivos, até porque a sensibilização é algo que se faz há muito tempo e não funciona. Pretendo dissecar, sectorialmente, o decreto-lei 163/2006 e procurar casos de grande impacto que estejam e se mantenham em incumprimento. Em 2017 vou começar a interpor ações judiciais contra quem continuar a não respeitar a lei. Já é o segundo decreto-lei (o primeiro foi o de 1997) que não é cumprido.

  • Vai expor no blogue os casos mais gritantes? 
- Sim. Vou tentar encontrar exemplos nas áreas do urbanismo, restauração, hotelaria, serviços públicos, etc. e enviar cartas às entidades que sejam alvo do nosso alerta. Será um aviso — e não uma chantagem sobre ninguém — de que o prazo para respeitar a lei termina em fevereiro de 2017. Esta temática é de todos. Qualquer um pode ficar com mobilidade reduzida de um dia para o outro. O envelhecimento da população é também uma realidade e quando mais cedo for tido em conta, melhor.
  • Acha que terá feedback? 
- Serão sempre causas ganhas. A lei é clara e está do nosso lado.  

  • Consegue dar exemplos onde a lei não é cumprida? 
- Sim, só para citar dois que passam quase despercebidos…recentemente foi inaugurado em Lisboa o passeio ribeirinho da Ribeira das Naus. Com uma cadeirade rodas não é possível fazer esse percurso, pois o passeio é todo em pedra. No entanto, foi considerado com um dos melhores exemplos da arquitetura portuguesa no âmbito da revitalização do espaço público. Nem sequer foi feita uma faixa alternativa ao lado, para cadeiras de rodas, bicicletas, carrinhos de bebé, etc… já para não falar em muitos casos de pessoas com mobilidade condicionada, nomeadamente os mais idosos. Outro caso que me causa indignação é o do Parque das Nações. Embora seja uma zona plana, caso tenha a necessidade de se deslocar numa cadeira de rodas, não consegue andar em mais de 90% do Parque. Tudo devido ao piso empedrado. Embora a calçada portuguesa seja tradicional, não faz sentido colocar pedra em todos os espaços públicos. Um exemplo gritante são os passeios em calçada. Quase não se pode passear em Lisboa
  • A lei não é cumprida por negligência, questões económicas ou por má-fé? 
- Não é por uma questão de custos mas de incompetência e falta de visão dos responsáveis pelo planeamento Urbano. 
  • Como é que a falta de acessibilidades o condiciona no dia-a-dia? 
- Não tenho a liberdade de decidir sair sem pensar com antecedência a que sítio irei. Necessito de fazer uma programação exaustiva do que vou fazer. Por exemplo, se quero ir almoçar ou jantar fora, tenho de saber se o restaurante tem um WC adaptado para pessoas com mobilidade reduzida. Há poucos e os mais recentes servem de pouco,  uma vez que estão equipados com ‘equipamentos’ ergonomicamente desadequados. No caso, a maioria dos restaurantes não os tem.   

  • Há exemplos positivos de boas acessibilidades? 
- O passeio marítimo de Gaia é um bom exemplo, ou o Office Center Lagoas Parque, em Oeiras. Em termos do passeio público, algumas áreas urbanas começam a ter passeios sem ser em calçada mas, no essencial, a tradição mantem-se. Pedra, pedra e mais pedra...   

  • Dia 29 de setembro foi impedido de votar por causa da falta de acessibilidades numa escola da Parede. Foi a primeira vez que isto lhe aconteceu? 
- Sim. Os três acessos estavam vedados: com degraus, cadeados e espaçoinsuficiente para passar a cadeira de rodas. Disseram-me para chamar os bombeiros para me ajudar, mas eu entendo que os corpos de Bombeiros só devem ser chamados para situações urgentes e importantes. Deve ser o Ministério da Administração Interna e a CNE a garantir o acesso de todos às assembleias de voto. 

  • Fez queixa à Comissão Nacional de eleições?  
- Sim, e espero vir a ter feedback senão terei de pensar noutro tipo de medidas. 


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